quarta-feira, 17 de abril de 2013

O Maraca é nosso?!


Bons tempos aquele do Maracanã lotado, o povão na geral vibrando com um humor incrível, a arquibancada na cadencia das baterias das organizadas, e nas cadeiras o estilo “europeu”. Caracterizar esse Maracanã democrático, fatiado em três partes é fácil. Maracanã esse onde o formato inconfundível das redes fazia com que a bola morresse no gol, lentamente. Saudades. 
Maracanã construído num local também democrático, construído para que o povo pudesse ir ao estádio, construído em um ponto onde de qualquer parte do Rio de Janeiro você consiga chegar. Porém, infelizmente, a atuação do atual governo e prefeitura em relação ao Rio de Janeiro, principalmente com a chegada da Copa do Mundo é vergonhosa! Estamos vivendo uma clara higiene social. O Maracanã em uma reforma anterior já havia acabado com a geral, ou seja, o “pobre” foi proibido de assistir seu time de coração, de levar seu filho para o jogo do Vasco ou do Flamengo. E para essa reforma, com uma arquibancada “reta” de cima a baixo, ocorrerá de vez uma elitização do Maracanã, não só o considerado pelo atual governo “pobre”,como parte da “classe média” será afastada do maior estádio do estado.
O povo carioca tem que entender que ao discutir o Maracanã que queremos, estamos discutindo a cidade do Rio de Janeiro que queremos. Não podemos pensar no Maracanã sem pensar na cidade do Rio de Janeiro, pelo simples fato, o que está ocorrendo com Maracanã é o que está ocorrendo com o Rio. Não apenas o estádio, mas vivemos em uma cidade que está totalmente sendo privatizada, temos hoje um governo e uma prefeitura que trabalha com retiradas, remoções, para transformar o Rio num palco de grandes eventos. Com a desculpa e utilização do termo “revitalização”, dá a entender que certo local citado não obtém vitalidade alguma, o que é um absurdo. 
Nós temos uma cidade cuja história é completamente vinculada à tradição da rua, do convívio na rua. Somos uma cidade que mescla culturas afro, lusitana e ameríndia. Nossa cidade foi o maior porto de entrada de escravos durante muito tempo na história da América Latina. O Rio de Janeiro é uma das quatro grandes cidades negras do Brasil. Nossa civilização se estruturou na rua. A maior ação civilizatória que ocorreu no Rio de Janeiro, para mim, ocorreu na década de 1920-30 na região Estácio de Sá, uma região cercada de terreiros, uma região cercada de “puteiros”, e nessa região surgiu nossa maior conquista civilizacional que foi o samba urbano carioca. Essa foi a cidade que inverteu a lógica de qualquer processo, na década de 1910 quem fazia samba era o negro e futebol era só pra branco. O Rio permite o convívio na rua tão forte, que chegando na década de 1930, uma diferença mínima de 20 anos, você percebe que o maior jogador de futebol é Leônidas da Silva, um negro, e o maior sambista Noel Rosa, um branco. O Rio fez o branco fazer samba e o negro jogar bola. Nossa cidade permite, historicamente, um contato entre civilizações, circulação de ideias, um contato entre culturas, isso é a marca do Rio de Janeiro. Repetindo, nós somos a cidade que inventou o negro jogando bola e o branco fazendo samba, o batuque. O Rio construiu uma civilização própria desta maneira. Voltando então com a informação que o local onde foi construído o Maracanã era um ponto democrático, onde de qualquer lugar do Rio é possível chegar, percebe-se que o Maracanã foi pensado como um ponto de integração. Mesmo que já se pensava numa divisão, geral, arquibancada e cadeira, dividindo assim as classes sociais, não deixava de ser um ponto de integração. Somando quase todos os jogos da fase de grupos do primeiro turno do carioca, temos aproximadamente 151 mil pessoas, enquanto antigamente o Maracanã cansava de ter mais de 150 mil pessoas em um jogo, repito, um jogo.
Levar a discussão do Maracanã para focos mais amplos é necessário. Perder o Maracanã como estamos perdendo, não é perder um estádio, e sim, perder a Cidade. Uma cidade com criminoso governo e prefeitura, que aplicam um processo de higienização no Rio. Vivemos em uma cidade onde a política de preços é feita para turistas. Viver no Rio está muito caro, o Rio hoje é uma das cidades mais caras do mundo, o que é um crime. Acredito ser evidente que uma cidade só é boa para o turismo quando é extremamente boa para seu habitante, e o Rio hoje não está sendo bom para seu habitante.
Hoje você percebe a diferença de preços e de como o Rio está caro saindo pra tomar uma cerveja na redondeza do Maracanã, que a cada ano está mais caro. Reparei uma diferença de preço de quase três reais comparando com um bar em Jacarepaguá.
E triste é ver o antigo museu do índio no complexo do Maracanã virar um museu olímpico. Qual tradição temos nesse quesito? O que nos somará no quesito cultura? Porque não um museu sobre a presença afro, sobre o samba, sobre algum que nos acrescente culturalmente?
Enquanto vemos o Rio ser vendido, enquanto não veremos mais a bola morrer ao fundo do gol, pois a rede será estilo europeia, que bate e volta, enquanto não vemos mais alegria no futebol carioca, enquanto vemos uma cidade caríssima de se viver, enquanto sofremos uma higienização social, enquanto vemos o maior crime da história da nossa cidade, vamos refletir nossos votos e escolhas. 
 
Thales Nunes.
Pós-graduando em História do Brasil pela UCP.  

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Boa noite.

8 comentários:

Unknown disse...

"Acredito ser evidente que uma cidade só é boa para o turismo quando é extremamente boa para seu habitante, e o Rio hoje não está sendo bom para seu habitante."

Infelizmente estamos ficando privados de locais da nossa cidade. Basicamente está acontecendo uma "separação" de classes. Eu não curto futebol, mas sei a importância do Maracanã, e o pior é que o povo se sente privado, invadido, roubado e incapaz. É indignação, só isso que eu consigo sentir. Indignação e nojo. :(

PS: parabéns pelo texto!

Unknown disse...

Esse foi meu principal objetivo Michele, quem não gosta de futebol tentar ver que o Maraca não é só futebol e sim algo politicamente, culturalmente muito maior! E hoje discutir o Maraca é discutir nossa cidade! E obrigado pelo elogio!

Thales N.

Unknown disse...

Sim, e o que me dá raiva também é a questão do Museu do Índio. Eu era super a favor de revitalizarem o local e criar um local parecido com a Feira de São Cristóvão, porém com temática indígena. Com artesanatos, etc. Eu acho que iria ser um local tão mais proveitoso! :(

Unknown disse...

A própria mudança concordei, desde que os índios já haviam escolhido um local. O que me incomoda é o tema do museu, nós não temos tradição alguma em olimpíadas. Há muitos outros temas de maior importância que segue esquecido...

Alice disse...

aindan em chegamos na copa 2014 e olimpíadas vai piorar ...
parabéns , gostei do que li

Unknown disse...

Valeu Alice!

Flávio disse...

Infelizmente o que já foi chamado de templo do futebol, virou uma fábrica de desviar dinheiro, onde de pelo menos 2 em 2 anos ou 3 em 3 anos ele fecha para GRANDES reformas. Reformas essas que mudam totalmente as características do grandioso estádio.
Salvo engano, o próprio teto do maracanã era tombado pelo patrimônio histórico. Derrubaram ele e o que aconteceu? NADA.
O dinheiro gasto nessas grandes reformas ditas desnecessárias, (somente para se adequar padrão fifa, padrão coi, sendo este último diferente do anterior que serão necessárias mais reformas), poderiam estar construindo até outros estádios, incentivando mesmo o esporte em um todo.
Nesse ponto acontece justamente ao contrário, o que deveria ser incentivado é desincentivado, vide demolição do complexo esportivo Julio Delamare e Célio de Barros. Indo mais além ainda temos o autódromo que já foi palco de conquistas de grandes campeões.
Infelizmente é isso.

Unknown disse...

Já fiz inúmeros cursos no IPHAN e tombamento é complicado, há vários tipos, em muitos casos não é como o povo acha, "não pode derrubar", mas é algo que deve ser visto sim. De resto está perfeito. É isso mesmo! E e no caso Julio Delamare e Célio de Barros, é um berço de atletas, uma série de fatores que não são considerados pelo atual governo. E um novo Estádio, Recreio, Jacarepaguá, tanto local com espaço. Lógico que mais cedo, mais tarde o Maracanã iria receber uma reforma, mas não deixar de ser Maracanã. Como disse para muitos, não existe mais Maraca para mim!